Edição 361 - Desemprego e consumo precedem o 15º Plano Quinquenal
Nesta edição: Stablecoins | Chips | Alemanha | Taiwan | Espionagem de mulheres | Hong Kong
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Não faltam desafios. Na esteira para a elaboração do 15º Plano Quinquenal (2026-2030), que ocorrerá na Plenária do Partido em outubro, a economia chinesa precisa lidar com o alto desemprego entre jovens e criar novas estratégias para incentivar o consumo doméstico. O desafio com absorver os recém graduados não é de hoje e o South China Morning Post explica que o desemprego entre pessoas de 16-24 anos (não incluindo estudantes) chegou em julho ao nível mais alto desde agosto de 2024. O timing tem a ver com as formaturas do verão chinês, quando mais de 12 milhões encerram seus estudos no Ensino Superior.
No âmbito de estimular o consumo doméstico, a Reuters conta como o setor de turismo vem sendo afetado por sinais de deflação, com falta de interesse e verba das famílias – mas também das empresas e do setor público. Tanto firmas quanto o governo cortaram dinheiro das viagens oficiais e dos famosos banquetes de negócios. Outro setores da economia, como bebidas e restaurantes também – o que acaba afetando diretamente o setor hoteleiro.
Entrando na onda. A Reuters relata que o governo chinês está considerando usar stablecoins com lastro no yuan para aumentar a adoção da sua moeda em um contexto mais amplo. As criptomoedas conhecidas como stablecoins têm sido vistas como novas queridinhas no mercado financeiro. Diferente da maioria das criptomoedas, as stablecoins são feitas para manter um valor mais estável e países vizinhos como Coreia do Sul e Japão estão entrando na onda – que ainda é dominado pelos Estados Unidos. Na China, o Conselho de Estado está discutindo o tema e deverá tomar uma decisão até o final do mês, colocando Shanghai e Hong Kong como centros do processo. Desde 2013, Pequim adotou medidas cada vez mais restritivas sobre o mercado de cripto e o Banco Central do país baniu mineração e transações com criptomoedas em 2021. Ou seja, seria uma mudança e tanto.
Guerra dos chips. Neste mês, a empresa responsável pela tecnologia usada na barragem Xiluodu declarou que o sistema da represa agora opera apenas com circuitos integrados desenvolvidos no país. A substituição de produtos da alemã Siemens e da francesa Schneider Electric nos sistemas da barragem que alimenta a terceira maior usina hidrelétrica do mundo visa aumentar a segurança nacional e tornar o país mais resiliente diante de possíveis dificuldades para obter chips estrangeiros – como o atual bloqueio que os Estados Unidos impõe. No caso específico dos EUA, a semana trouxe notícias curiosas: as empresas Nvidia e Advanced Micro Devices, dois dias antes de conseguirem permissão para exportarem para a China uma versão de seus chips H20, focados em inteligência artificial, se comprometeram a pagar ao governo Donald Trump 15% dos valores faturados nessas vendas. Dessa forma, o governo se torna parceiro das empresas em suas empreitadas na China – o que não é um acordo corriqueiro.
No domingo (17), o ministro das relações exteriores da Alemanha deu uma declaração que pegou mal com o governo chinês. Logo antes de sua visita ao Japão na semana passada e a sua primeira na Ásia, o ministro Johann Wadephul falou que Pequim estava cada vez mais agressiva em relação à região da Ásia-Pacífico – referindo-se a confrontos e tensões recentes com Taiwan e nos Mares do Sul e do Leste – e que isso estaria colocando em risco a paz global em risco. No dia seguinte (18), a resposta chinesa não citou diretamente Wadephul e falou de que comentários estariam incitando confrontações. Os editoriais do China Daily e do Global Times não pegaram leve e o porta-voz do ministério das relações exteriores Mao Ning afirmou que Taiwan pertence à República Popular da China, como resultado da Segunda Guerra Mundial e da nova ordem internacional negociada após a derrocada do Japão.
Entre analistas, tem quem esteja opinando que há de fato um fim do apoio dos EUA à ilha e que, por isso, Pequim estaria mais à vontade com posturas mais agressivas. Ainda que, segundo Trump, Xi Jinping teria dito que não vai atacar Taiwan enquanto o bilionário for presidente. Em julho, o governo Trump proibiu Lai Ching-te, líder de Taiwan, de pousar em Nova York durante um stopover.
Bússola. Segundo um relatório da S&P Global, desde 2018 os fluxos de comércio e investimento se deslocam cada vez mais para Ásia, África, Oriente Médio e América Latina, regiões que já absorvem US$ 1,6 trilhão em exportações chinesas, mais de 50% acima das vendas combinadas para EUA e Europa Ocidental. Não se trata apenas de triangulação: fábricas, joint ventures e cadeias produtivas têm sido instaladas localmente, do níquel indonésio às montadoras de elétricos na Tailândia, numa clara aposta em transformar antigos parceiros periféricos em novos polos de mercado. Pequim tem chamado isso de “a ascensão do Sul Global”, mas na prática parece que diante de nós está cada vez mais palpável o tal “reordenamento comercial global” que tanto líamos nos artigos, onde o eixo Sul-Sul se fortalece e o Norte fica pra segundo plano.
US8964. Esse conjunto de caracteres pode não te dizer muita coisa, mas ele é a razão pela qual Anthony Chiu precisou deixar Hong Kong, como relatou a Global Voices. Em agosto, o ex-residente da região administrativa especial contou como sua vida virou um inferno porque ele escolheu, em 2021, emplacar seu carro com a combinação 8964 – uma referência ao dia 4 de junho de 1989, data dos acontecimentos da Praça da Paz Celestial. Em 2022, enquanto a polícia impedia que pessoas se reunissem no Victoria Park para a tradicional vigília que até 2020 marcava a data, Chiu decidiu circular com o carro nos arredores do parque. Depois disso, a cada ano, o veículo era parado e apreendido pela polícia por “razões técnicas” – e até aí... Mas no último ano, ele e sua família receberam cartas ameaçando denunciá-los para a polícia responsável pela segurança nacional, anônimos advertiram que iriam causar o despejo de seus pais, dados pessoais seus e de familiares foram expostos para os vizinhos, tentaram acabar com seu casamento, seu cunhado foi interrogado na China continental durante uma viagem de negócios, e a escola de sua filha recebeu reclamações anônimas de que ela estaria ameaçando a segurança nacional. Em 4 de junho de 2025, Chiu não circulou com seu carro. Agora que ele e a família vivem no Reino Unido, o governo não autorizou que outro morador de Hong Kong use a mesma placa.
O escândalo do fórum MaskPark, apelidado de “o Nth Room chinês”, escancarou uma prática perturbadora de banalização das câmeras escondidas em banheiros, hotéis, hospitais e até dentro de casa no país. A comparação é com um caso na Coreia do Sul, onde o escândalo do Nth Room descoberto em 2020 levou a protestos de massa, endurecimento das leis e condenações severas aos envolvidos. Em Pequim, dificuldades técnicas (como criptografia, armazenamento das plataformas fora da China) encontram o silêncio institucional e reforçam um sentimento de vulnerabilidade, onde a única defesa possível é viver em constante estado de alerta.
No fórum chinês, mais de 100 mil membros compartilhavam vídeos gravados clandestinamente, transformando a vida privada de milhares de mulheres em entretenimento coletivo. O caso chocou pela escala e pela naturalização da violência, mas também pela ausência de respostas à altura. Em relação ao caso chinês, até agora, nenhuma ação robusta foi anunciada pelas autoridades para desmantelar a rede ou proteger as vítimas. De acordo com especialistas, a maioria dos casos não devem ser considerados crimes e os perpetradores devem sofrer apenas penalidades administrativas. Entre a impunidade e a desconfiança cotidiana, o episódio expõe como a intimidade feminina segue sendo moeda barata em uma engrenagem de voyeurismo, crime e omissão.
Zheng He foi um grande explorador chinês do século XV. Sob seu comando, o império da China chegou a praticamente todos os cantos do mundo. Esta seção é inspirada nele e te convida a explorar ainda mais a China.
Série: na semana passada, o Fantástico inaugurou uma série sobre a China chamada de “O Código Chinês”. O tom está um pouco distópico e com pitadas de estereótipos na estética, mas vale conferir – já que amplia o debate no Brasil sobre o país. O que você achou?
Sexo: esta crítica do livro de Margaret Boittin sobre a vida de mulheres que trabalham vendendo sexo na China oferece uma boa discussão sobre como o estado vê essas mulheres, mas também como elas se posicionam e enxergam a si mesmas.
Noite de cinema: o Chinese Bridge Club em São Paulo vai exibir o clássico revolucionário The Red Detachment of Women (1961) no dia 27 de agosto. A entrada é gratuita, mas é preciso retirar o ingresso antecipadamente. A professora e especialista Cecília Melo fará um debate após a exibição.
Cinema: a animação Nobody (浪浪山小妖怪) vem sendo um sucesso desde a sua estreia no começo de agosto e dominando a bilheteria na China, já passando de 500 milhões de renminbi. O filme conta a história de seres que se passam por personagens de Jornada para o Oeste.
Em busca de um novo hobby? Esse criador de conteúdo chinês fez um metrô pro seu gato.
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